O que pode distinguir o trabalho autoral/artístico/estético usando cadernos como suporte, de outro qualquer tipo de suporte? Se os diários gráficos, livros de artista, cadernos de campo, cadernos de esboços, livros de viagem são espaços de criação, outros suportes também o são. Se nos dão possibilidade para experimentação plástica, outros suportes também o dão. Se é possível usar várias linguagens poéticas, em outros suportes também. Se conseguem criar e somar interligações de tempo e espaço, outros suportes também. Para tudo isto e mais ainda, haja criatividade. Para que se possa encontrar a devida diferença – pelo menos alguma – é necessário ir ao ADN do caderno/bloco/livro. A característica particular e fundamental para a sua distinção em relação a outros espaços de criação plástica, está no seu formato "folio" que lhe dá uma qualidade única na apresentação da obra. Esta qualidade como que cria um "pecado original" na obra que não é comum noutros suportes: o facto de as partes poderem ser abstraídas do todo. Toda a obra aspira a ser vista como um todo coesivo, uma espécie de estrutura (armação) que dá sustentação entre os diferentes elementos que a compõem. Procuramos em todas as obras, um sentido de unidade como se houvesse um elo de ligação entre as qualidades sensíveis delas. No entanto, a unidade da obra não é um princípio da obra em si, mas antes o resultado das relações que construímos a partir das diferentes propriedades da obra. Neste aspecto diríamos então que as partes são uma expressão de segundo plano e concordaríamos com a teoria gestáltica. Se quisermos olhar para um diário gráfico, como uma obra plástica legítima, cria-se então o dilema: percepcionar o livro como objecto agregador de uma obra no seu interior, de orientação lógica (sequencial ou hiperligada) ou, percepcionar cada dupla página como uma obra em si, isolada da anterior e da posterior? Muito embora haja exemplos de que o livro é usado exactamente para a criação de uma narrativa orientada, a maior parte dos cadernos são elaborados parte por parte. O autor congrega a capacidade de abstracção em relação aos registos já criados e concentra o esforço imaginativo apenas “naquele” espaço. Para o autor, há um sentimento de divisão criado a partir da definição de “página”, que se isola facilmente no percurso da visão. Neste caso, diremos que a noção de obra num caderno de desenhos, será fenomenológica, na medida em que é o caderno enquanto caderno, definido nos seus limites práticos e funcionais, que guiam o sujeito na consciência da obra. Uma das evidências desta característica é o facto de encontramos autores que ao mostrarem os seus trabalhos, quererem e conseguirem isolar diferentes trabalhos dentro da dupla página. Deste modo, os desenhos em cadernos não são apenas uma obra com muitas páginas. São várias obras em camadas, cada uma com a sua autonomia dentro de uma totalidade puramente estrutural.
para pensar:
ResponderEliminarO que pode distinguir o trabalho autoral/artístico/estético usando cadernos como suporte, de outro qualquer tipo de suporte?
Se os diários gráficos, livros de artista, cadernos de campo, cadernos de esboços, livros de viagem são espaços de criação, outros suportes também o são. Se nos dão possibilidade para experimentação plástica, outros suportes também o dão. Se é possível usar várias linguagens poéticas, em outros suportes também. Se conseguem criar e somar interligações de tempo e espaço, outros suportes também. Para tudo isto e mais ainda, haja criatividade.
Para que se possa encontrar a devida diferença – pelo menos alguma – é necessário ir ao ADN do caderno/bloco/livro.
A característica particular e fundamental para a sua distinção em relação a outros espaços de criação plástica, está no seu formato "folio" que lhe dá uma qualidade única na apresentação da obra. Esta qualidade como que cria um "pecado original" na obra que não é comum noutros suportes: o facto de as partes poderem ser abstraídas do todo.
Toda a obra aspira a ser vista como um todo coesivo, uma espécie de estrutura (armação) que dá sustentação entre os diferentes elementos que a compõem. Procuramos em todas as obras, um sentido de unidade como se houvesse um elo de ligação entre as qualidades sensíveis delas. No entanto, a unidade da obra não é um princípio da obra em si, mas antes o resultado das relações que construímos a partir das diferentes propriedades da obra. Neste aspecto diríamos então que as partes são uma expressão de segundo plano e concordaríamos com a teoria gestáltica.
Se quisermos olhar para um diário gráfico, como uma obra plástica legítima, cria-se então o dilema: percepcionar o livro como objecto agregador de uma obra no seu interior, de orientação lógica (sequencial ou hiperligada) ou, percepcionar cada dupla página como uma obra em si, isolada da anterior e da posterior?
Muito embora haja exemplos de que o livro é usado exactamente para a criação de uma narrativa orientada, a maior parte dos cadernos são elaborados parte por parte. O autor congrega a capacidade de abstracção em relação aos registos já criados e concentra o esforço imaginativo apenas “naquele” espaço. Para o autor, há um sentimento de divisão criado a partir da definição de “página”, que se isola facilmente no percurso da visão. Neste caso, diremos que a noção de obra num caderno de desenhos, será fenomenológica, na medida em que é o caderno enquanto caderno, definido nos seus limites práticos e funcionais, que guiam o sujeito na consciência da obra. Uma das evidências desta característica é o facto de encontramos autores que ao mostrarem os seus trabalhos, quererem e conseguirem isolar diferentes trabalhos dentro da dupla página.
Deste modo, os desenhos em cadernos não são apenas uma obra com muitas páginas. São várias obras em camadas, cada uma com a sua autonomia dentro de uma totalidade puramente estrutural.