Quando volto a escrever passado um tempo de ausência de palavras visíveis, dou por mim a cometer armadilhas ao longo das palavras que se vão levianamente colando umas às outras. Digo coisas para esclarecer coisas tornando o texto mais complicado. Percebes? Ainda bem. Se percebesses tudo o que eu por aqui mudamente digo isto teria menos piada para ti. Para mim tanto faz, eu nem te conheço. Vou escrevendo coisas e no meio dessas coisas outras vão sendo repuxadas, reescritas e estupradas. Tudo isto para arquivar coisas para não as perder de vistas. É que estas coisas que me passam à frente dos olhos vão-se sobrepondo umas às outras tornando tudo turvo. Na minha cabeça tudo faz sentido, acredita em mim, só não faz quando o digo em voz alta. Então digo-o aqui, tenho assim a possibilidade de apagar aquilo que vou escrevendo e de ter uma conversa comigo próprio no futuro. Sim porque eu aqui vou deixando rastos de coisas para eu não me perder e ter pontos de referência para voltar a casa. Bem como no desenho, as primeiras instâncias da escrita saem estrangeiras e pouco coesas. Saem num grito de alguém que andou a guardar aquilo que tinha para dizer há já algum tempo (já algumas vez viste o Peter Griffin a citar os 50 estados dos EUA numa fração de segundos?)
Dou por mim perdido naquilo que eu achava conhecer. Nestes momentos surge a fome de algo doce ou a vontade de ver um video no youtube. Coloco-me numa imensidão que eu não gosto mas que me faz esquecer dos meus gostos. O tempo passa e ele ao passar vai passando. E assim, nada comigo se passa, e o nada passar é mais sedutor que o esforço de trespassar algo.
As ideias são simples e objetivas, e como tudo o resto, nenhuma delas precisa realmente de ser arquivada. Elas são o que são, e todas elas o são sendo e não dito. Dizer...
Há folhas que se encontram preenchidas de coisas. Não me interessa em nenhuma instância se essas coisas são ou não necessárias, coerentes ou interessantes, se disso me questionasse, iria fazer aquilo que por aqui faço, que é pensar nesses meus pensamentos e não fazer aquilo que sei que quero fazer. Essas coisas são coisas mas essas folhas podem ser mais do que são. Se as pintar de branco - voltar a pintar de branco - crio a possibilidade de elas serem algo de novo. É esse novo que me interessa. Principalmente nos dias que correm, estes dias em que a informação é tanta que a retenção é nula. Tudo é optimo, perfeito e ideal para uma foto de instagram. Tudo tem o filtro ideal, tudo é intressante. Até o que é desinteressante se torna interessante pela sua detalhada explicação que visa algo, por muito levemente que seja, estabelecido. E estabelecer coisas nos dias que correm é como meter uma coleira a um cão e dizer que lhe dás uma boa vida porque ele tem uma cama quente e ração da boa.
Em relação à folha branca, ao novo, é esse novo que me interessa por este ter a possibilidade de ser algo diferente. Não é aquilo que este vai ser per se, mas sim a possibiliade de ser algo que ainda não é.
Então pinto essas folhas de branco, para um dia serem preenchidas, e quem sabe, um dia, serem novamente pintadas de branco para novamente serem preenchidas.
A sobreposição interessa-me pela humilde transparência do plano superior que revela bases nas quais se apoia.
Kevin Claro, Mediateca Emile Zola, Montpellier 2019