Ás vezes sinto-me.
Sinto-me… Sei lá como. Sinto-me e então sento-me
para perceber bem como me sinto. Mas quando me sento faço coisas que me fazem
não sentir. Então, apesar de me sentir, esqueço-me que me sinto e até deixar de
estar sentado deixo de me sentir. Depois levanto-me e lembro-me que me sinto.
Então pergunto-me para mim mesmo o que é suposto fazer. Não o que é suposto fazer
para deixar de me sentir mas o que toda a gente faz, para sentir para mim mesmo
que faço parte de uma certa maneira de ser. Assim sendo, já que tanta gente
assim o é, provavelmente deixarei de me sentir como me sinto, pois ninguém se
sente assim. Mas é quando tento fazer essas coisas que estas sensações me fazem
sentir ainda mais assim. Aí sim sinto que é desconfortável viver nesta luta
entre o sentir e o tentar não sentir para, mais tarde ou mais cedo, de uma ou
de outra maneira, aperceber-me que sempre me senti assim e que apenas tentei
não sentir-me fazendo coisas que toda a gente que assim não se sente faz. Assim
não se sentem pois se sentissem não o fariam. Fariam coisas para deixar de
assim se sentirem. Digo eu. Digo isto, sinto aquilo e faço outras coisas. Ou
coisas outras. Coisas ocas. O oco não me faz sentir. Mas o sentimento é oco.
Isso não faz sentido, pelo menos agora. E coisas que não fazem sentido são mais
do que as que fazem pois se assim não fosse assim não me sentiria. Quero e não
quero pintar. Quero e não quero. Quero porque é óbvio querer e não quero porque
é óbvio. Não que seja óbvio pintar. Não sentir é que é.